FID – Bancos de dados #3 – Classic Brazilian Cinema Online

Hoje, continuaremos com a apresentação dos novos bancos de dados adquiridos pelo nosso Serviço de Informação Especializada América Latina, Caribe e Latino Studies (Fachinformationsdienst Lateinamerika, Karibik und Latino Studies, FID): depois de Classic Mexican Cinema Online, apresentado há pouco, falaremos sobre o seu equivalente «brasileiro».

As funcionalidades e as condições de acesso são as mesmas: direito de acesso apenas com cartão de usuárix da biblioteca do Ibero-Amerikanisches Institut (Instituto Ibero-Americano, IAI), ou melhor, com o número do cartão e a senha; seleção do banco de dados por meio do catálogo online (em alemão e inglês); acesso pelo link indicado. Em caso de problemas de acesso, aconselha-se usar outro browser, caso os problemas persistam, é possível notificar-nos através do link «Kein Zugriff?» (ingl.: «Access denied?»). A navegação, dentro do banco de dados, dá-se de maneira bastante intuitiva, com a possibilidade de uma pesquisa explorativa por meio da lista de ítens, ou de uma busca por palavras-chave. Os resultados da busca ainda poderão ser refinados graças aos filtros indicados à esquerda. O banco de dados permite também o compartilhamento, a citação, o download e – o que é realmente muito prático – a possibilidade de copiar o texto, graças à tecnologia de reconhecimento ótico de caracteres (OCR).

Classic Brazilian Cinema Online, oferecido pela editora Brill, reúne digitalizações de vários números de 58 revistas brasileiras de cinema e televisão, publicadas entre 1913 e 1974, com uma pequena concentração de volumes entre 1926 e 1930 e uma maior entre 1951 e 1966. Algumas têm uma orientação mais popular ou comercial, outras são mais voltadas a um público intelectual ou artístico.

Duas das publicações mais antigas presentes no banco de dados. Da esquerda para a direita: fotos da atriz Josette Andriot e anúnico publicitário para projetor da companhia Pathé na Revista Cinematographica (1913, ano 1, no. 32) e capa da revista Cinema (1919, ano 1, no. 2). ©Brill All rights reserved.


A comparação das revistas mais antigas com equivalentes contemporâneas mostra um grande número de semelhanças, mas também algumas diferenças, como as listas de «estrellas» e «cine-artistas» que fornecem a idade e o estado civil – no caso de pessoas casadas, também o nome dx esposx. Observe-se que não é necessariamente o teor da informação que destoa dos padrões atuais – afinal, o que revistas «de famosxs» capitalizam mesmo é a «fofoca» – e sim, a forma com que é apresentada.

De uma perspectiva contemporânea pode parecer-nos um tanto curiosa a publicação do estado civil de „estrellas“ e „cine-artistas“, como aqui em A Tela (1919, ano 1, no. 1). ©Brill All rights reserved.


Nota-se, em muitas das revistas, uma nítida orientação às produções internacionais, como evidenciam os nomes dxs artistas enumeradxs acima. Isso é pouco surpreendente, visto que a maioria dos filmes exibidos em cinemas brasileiros eram produzidos fora do país, na Europa ou, a partir da Primeira Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos. No entanto, desde o primeiro momento da cinematografia, o Brasil contou também com uma razoável produção nacional. Já para a era do filme mudo, pode-se citar várias pequenas produções, como Chegada do trem em Petrópolis (1897). Com a virada do século, a produção total aumentou, mas permaneceu «descentralizada», sendo os proprietários de salas de cinema os principais produtores, muitos destes imigrantes italianos. Infelizmente, grande parte do material dessa primeira fase foi perdido devido ao descaso das instituições responsáveis pelo arquivamento – que não atribuíam valor algum ao «‘filmezinho’ visto no cinema da esquina» (Melo de Souza, 2018, p. 42) – ou à destruição em incêndios ou por deterioração natural.

O advento do filme sonoro encheu de esperança a indústria do filme no país, pois supunha-se que filmes falados em português gozariam naturalmente de maior popularidade. No entanto, o alto custo desses filmes impediu a produção em grande escala e aumentou ainda mais a dependência tecnológica dos EUA (Vieira 2018). Foi o incentivo do Estado, a partir da década de 1930, que impulsionou a produção cinematográfica nacional. O decreto no. 21.240, de 1932, «obrigava […] a exibição de filmes curtos educativos nas sessões ordinárias de cinema nas salas de todo o território nacional» (Christofoletti Barrenha 2018: 491) e tournou-se, assim, «a primeira política pública de incentivo ao cinema brasileiro» (Idem). O intuito subjacente, porém, não era necessariamente uma valorização do filme Made in Brazil – embora uma das preocupações centrais do governo de Getúlio Vargas tenha sido, sim, a defesa da indústria nacional – mas a tentativa de «higienizar» os hábitos recreativos de cidadãs e cidadãos. Nesse aspecto, o Estado Novo brasileiro encontrava-se em sintonia com a Rússia pós-revolucionária, a Itália fascista e, pouco depois, a Alemanha nazista que procuraram se fazer valer do poder de manipulação «das massas» que essa forma de arte possuía.

Porém, ao fim e ao cabo, as políticas centralizantes e nacionalistas de Vargas parecem não ter fortalecido a cinematografia brasileira, a julgar pelo comentário de William Schocair na revista Constelação (1946):

O Brasil […] precisa tam­bém com tôda a urgência, adotar me­didas drásticas para defender a sua cinematografia. Si não o fizer, verá apenas isto: — Os nossos diretores, […] bem como nossos técnicos de som, operadores, artistas, etc., contratados todos, nos Estados Unidos do Tio Sam. .. E lá, desaparecerão… Grandes organiza­ções fundarão fábricas aquí […] Gastarão, que lhes importa? milhões de cruzeiros em propagan­das espetaculares; contratarão todos os artistas, músicos, diretores, técni­cos, tomando-lhes enorme tempo. Tôda essa gente gastará dinheiro também, e ficará parada! Depois, para justificar essa despesa e êsse aparato, surgi­rá uma produção medíocre nacional, com os piores artistas. Virá o desas­tre uma espécie de «quebra». E uma das tais organizações publicará um relatório, comentando: «Que vieram ao Brasil com o benemérito fim de nos ajudar, dar a mão (coitados dos brasileiros, precisamos ajudá-los mesmo), e aqui inverteram milhões de dólares tudo fizeram mas nada conseguiram. […]. E lá se vão êles embora. .. Nesse tempo das pequeninas organizações na­cionais, não atingidas pela dinheirama estrangeira, nada mais restará. E assim, desgraçadamente, mais vinte longos anos serão precisos para se recuperar tudo de novo!… Aí, será tarde, tortuosa estrada a percorrer. Adeus! então, Cinema Brasileiro…

Constelação, abril de 1946, ano 1, no. 1, p. [1].

Além da sua crítica e da sua reivindicação, Schocair oferece-nos, nesse trecho, também alguns dos nomes cinematográficos mais célebres da época, tanto autores e diretores – sim, de fato só homens – (Humberto Mauro, Mário Peixoto, Henrique Pongetti, etc.), quanto estúdios (Cinédia, Atlântida, Brasil Vita Filmes, etc.), como também filmes (Bonequinha de seda de 1936, Favela dos meus amores de 1935, Banana da terra de 1939, O Cortiço de 1945, etc.).

O entremez democrático entre a era Vargas e a ditadura militar, trouxe inovações estéticas que permitiram ao filme brasileiro encontrar a sua ‘própria linguagem’, iniciando assim, um dos períodos áureos do cinema nacional. A partir da década de 1960, o Cinema Novo, inspirado pelo neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa, e protagonizado por cineastas como Glauber Rocha, torna-se mais político e ganha a qualidade de instrumento de denúncia das grandes desigualdades existentes no país.

Provavelmente, o comentário deve ser lido mais como propaganda política que como análise do cenário cinematográfico brasileiro, pois fecha com as palavras “ Concentremos o nosso pensamento e as nossas esperanças no único homem capaz e resoluto: no Sr. Eurico Gaspar Dutra que em tão bôa hora vem salvando o Brasil e tem em suas mãos a salvação do Cinema Brasileiro. Por isso nós queremos… Dutra!“. ©Brill All rights reserved.

Os demais [novos nomes no cinema brasileiro], quase todos formados­ em clubes de cinema e em aca­loradas discussões es­téticas, pregam a uma só voz um “cine­ma nôvo”, atacam o “cinema-espetáculo», acreditam num caminho a ser aberto com a “câmara na mão”

A Tela Ilustrada (março de 1962, ano 1, no. 4, p. [18])

„Cinema Nôvo à Brasileira“, em A Tela Ilustrada (março de 1962, ano 1, no. 4, pp. [18-19]). ©Brill All rights reserved.

«[O] Cinema Nôvo, revolução tão a nós agradável e lisongeira [sic], procura decididamente realizar-se como manifestação artística e não como instrumento de higiene mental. […] Os filmes do gênero “mastigado, pronto pa­ra ser usado” impuseram-se pela sua superioridade quanti­tativa (também por causa dos nossos naturais pendores aos comodismos), de maneira que o combate para que êle se restrinja às suas devidas proporções, para que êle desocupe, na mentalidade de muita gente, o seu caráter de único e absoluto, deve ser feito no sentido de oferecer o maior numéro de bom cinema, a fim de que o povo a êle se habitue. O que se fará não apenas com o amparo e apôio ao Cinema Nôvo, visceralménte bem intencionado, mas também com a correção de nosso mercado, evitando a entrada dos baixa-qualidade e a facilitando para os filmes artísticos. E quanto ao espírito de comodismo, cremos que aqui entra a tarefa […] dos cine-clubes, ensejando a discussão, o debate daqueles filmes que, numa flagrante demonstração de respeito pe­lo público, julgando-o à altura de ousadas mensagens, propõem em seu cerne questões de profundidade que não as do mocinho contra o bandido, que não as do mocinho e a mocinha, filmes que exigem do espectador não uma atitude pas­siva, mas um espírito de compromisso, indispensável para se compreender e acompanhar a aventura real da humanidade, no cinema, como nas demais artes, descrita e decantada.»

Luiz C. R. Borges em Cine Clube (novembro de 1965, ano 1, no. 1, p. 6) .

„Cinema brasileiro: da aventura à aventura“ em Cine Clube (novembro de 1965, ano 1, no. 1). ©Brill All rights reserved.

Contudo, a partir de 1964, o Cinema Novo não só resistirá, como também co-existirá com o regime militar, atenuando críticas muito diretas e descobrindo o valor monetário de suas produções. No fim da década, convergindo com o movimento tropicalista, ele ganhará reconhecimento internacional, mas perderá o seu ímpeto inovador, até se tornar apenas Cinema… Paralelamente, ocorrerão mudanças significativas na produção e difusão da cultura, desencadeadas, entre outros, pela diversificação do mercado cultural e inovações tecnológicas, como a expansão da televisão, o que também se reflete em Classic Brazilian Cinema Online:

Capa de Revista TV (1956, ano 2, no. 9).

Capa de Imagens na TV (1964, ano 1, no. 2).

Capa de TV Programas (1967, ano 7, no. 333).

©Brill All rights reserved.


Esperamos ter suscitado a sua curiosidade e/ou poder auxiliar a sua investigação na área da cinematografia e da recepção cultural de produtos cinematográficos no Brasil. Uma lista de todos os bancos de dados lincenciados pelo FID pode ser encontrada aqui (em espanhol). Para mais informações e opções de pesquisa, não hesite em contactar-nos, por e-mail ou pelo nosso serviço de consultas.

Symbol CC BY NC ND Lizenz

Os componentes textuais deste post são publicados sob a lincença CC-BY-NC-ND. As imagens aqui fornecidas são todas de propriedade da editora Brill e estão protegidas pelas leis de direito de autor da UE.

Indicações bibliográficas

Classic Brazilian Cinema Online (2020). Leiden e Boston: Brill.

Malafaia, Wolney Vianna ([2019]): Imagens do Brasil: o cinema novo e as metamorfoses da identidade nacional. Jundiaí, SP : Paco Editorial.

Morettin, Eduardo Victorio & Napolitano, Marcos (2018): O cinema e as ditaduras militares: contextos, memórias e representações audiovisuais. São Paulo: Intermeios.

Paiva Diniz, Anna Carolina (2012): «Centros e margens na produção audiovisual das décadas de 1930 e 1940: regionalidades nas performances de Carmen Miranda«. Aurora. Revista de Arte, Mídia e Política. V. 5, n. 15.

Ramos, Fernão Pessoa & Schvarzman, Sheila (2018): Nova história do cinema brasileiro. Vol. 1 & 2. São Paulo: Edições Sesc.

Silva, Carolinne Mendes da (2017): O negro no cinema brasileiro: uma análise fílmica de «Rio, zona norte» (Nelso Pereira dos Santos, 1957) e «A grande cidade» (Carlos Diegues, 1966). São Paulo: LiberArs.

Souza, José Inácio de Melo (2018): «Os primórdios do cinema no Brasil». Em: Fernão Pessoa Ramos & Sheila Schvarzman: Nova história do cinema brasileiro. Vol. 1. São Paulo: Edições Sesc.

Vieira, João Luiz: «A chanchada e o cinema carioca (1930-1950)». Em: Fernão Pessoa Ramos & Sheila Schvarzman: Nova história do cinema brasileiro. Vol. 1. São Paulo: Edições Sesc.